A certeza é-me sempre atirada com força quando coloco a pergunta nas reuniões com equipas de gestão: não há negócio nenhum, em área nenhuma, que não seja centrado no cliente.
A questão, só por si, chega a ser entendida como um desafio, mas não precisa de o ser – até porque a coloco com a certeza de saber a resposta a priori. Os negócios, sobretudo nas áreas menos ligadas ao digital, até podem ser orientados para o cliente – mais não seja porque é a ele que querem vender um produto ou um serviço -, mas raramente são, com toda a verdade do termo, centrados no cliente. E isso faz toda a diferença.
O “cliente-centrismo”
Tivesse o termo português a mesma graça que o original, em inglês, e faríamos uso dele mais vezes. O “customer-centricity”, ou o “cliente-centrismo”, é o espelho de um negócio gerido com os focos apontados para o cliente ao longo de todas as etapas da viagem que ele faz – mesmo aquelas em que ele não tem uma intervenção direta.
Num negócio centrado no cliente, as decisões não são tomadas com vista a vender-lhe produtos ou serviços, mas sim com o objetivo de responder a todas as necessidades dele da forma mais eficiente possível. Parecendo semelhantes, são duas abordagens completamente diferentes, sobretudo porque, no primeiro caso, tentamos que o nosso produto ou serviço se adapte às necessidades do cliente, enquanto que, no segundo caso, criamos o produto ou serviço especificamente para responder a essas necessidades. É moldar o negócio ao consumidor, em vez de querer que o consumidor encaixe no negócio que temos nas mãos.
O “Cliente-centrismo” na gestão de um negócio
É frequente ouvirmos, mesmo a nível internacional, que o “cliente-centrismo” é uma cultura, e por isso não pode ser aplicado por decreto. Não sendo tão fatalista, partilho desta consciência: não basta uma decisão “de cima” para que um negócio passe a centrar-se no cliente.
Para estar verdadeiramente centrado no cliente, um negócio precisa, muitas vezes, de se reinventar. Tem de rever processos, perspetivas, modos de atuação e de decisão. No entanto, esta não é uma missão impossível – desde que saiba por onde começar. Ficam, por isso, aqui lançados os principais pilares de um negócio verdadeiramente centrado no cliente:
1. A noção de que o cliente não é um só
Particularmente relevante em negócios B2B, a noção de que o negócio tem vários clientes em vários níveis determina a abordagem que lhes é dirigida. Falo de negócios que não vendem exclusivamente ao consumidor final, mas que antes dele passam por tantos outros intervenientes que são, eles próprios, clientes a considerar: produtores, fornecedores, distribuidores…
Encarar todos os agentes com intervenção no negócio como clientes é o verdadeiro desafio de um negócio centrado no cliente, porque deixa de ter um único alvo para o seu foco e passa a considerar as necessidades de todos os níveis (que, grande parte das vezes, nem sequer coincidem). A última missão é satisfazer as necessidades de todos eles de forma igualmente eficiente e evitando conflitos de interesses.
Sei bem que o que escrevi acima é o santo Graal dos negócios: agradar a todos, ao mesmo tempo e sem gerar conflitos de interesses. Mas pense que é possível. É possível satisfazer as necessidades de um fornecedor sem sacrificar os interesses do consumidor final, como é possível trabalhar para o distribuidor sem perder de vista os interesses dos colaboradores (que, convém não esquecer, são os nossos clientes internos). Tudo o que precisa é de uma excelente capacidade de gestão e, claro, de conhecer os seus clientes todos melhor do que ninguém.
Além de conhecer bem os seus clientes, é também importante saber (e garantir que todos sabem) quem são os clientes para os quais o seu negócio trabalha. Quem é o seu alvo? Um potencial cliente também conta? Esclareça todas as dúvidas possíveis logo no início do processo.
2. A adoção da missão, mas também da cultura
O “cliente-centrismo” é, em simultâneo, uma cultura empresarial e uma missão. Por um lado, é impossível ter um negócio verdadeiramente centrado no cliente se os colaboradores não partilharem, a todos os níveis, o interesse pelo cliente e pelas necessidades que o trazem ao mercado. É importante estarmos conscientes de que um negócio centrado no cliente preza por tratá-lo bem na interação direta, mas também por respeitá-lo na sua privacidade e por considerá-lo na conceção de novas soluções – e isso exige um alinhamento irrepreensível de toda a nossa equipa.
Por outro lado, a centralização do negócio no cliente tem mesmo de ser levada a sério do ponto de vista da gestão, e sabemos que isso só acontece quando há métricas de avaliação pré-determinadas. Estabeleça objetivos, apresente-os à equipa e faça por medi-los com regularidade, por forma a estimular o envolvimento de todos e a ter uma noção real da evolução conseguida em cada momento.
Se estiver mesmo empenhado em centrar o seu negócio no cliente, pode, inclusivamente, usar a mudança cultural como critério de avaliação de desempenho, promovendo a adoção de novas perspetivas em todos os setores da empresa.
3. A combinação do valor do produto com o valor do cliente
Ainda que o seu negócio passe a centrar-se no cliente e nas suas necessidades, seria um passo suicida abdicar totalmente do foco no produto. Afinal, se for criado a pensar nas necessidades do cliente, o produto tem valor para ele, e por isso é importante comunicar esse valor.
Chegamos, assim, à urgência de encontrar o ponto de equilíbrio de valor entre o cliente e o produto ou serviço que fazemos para ele. Centrar-se no cliente é criar o que ele precisa e comunicar-lhe isso mesmo, fazendo-o sentir-se parte importante e indispensável do processo – o centro do negócio, portanto.
Lembre-se, no entanto, de que diferentes clientes vão valorizar características diferentes no seu negócio – o que obriga a uma comunicação dedicada. É, por isso, natural que comunique a eficiência de um processo a um fornecedor e a utilidade de um produto a um consumidor final. A mensagem não tem de (nem deve) ser a mesma para todos, mas deve fazer convergir a sua oferta com a procura daquele cliente específico.
4. A responsabilização
Uma missão a sério tem de ter um líder que se responsabiliza por ela e pelos resultados obtidos. Até aqui nada de novo para qualquer gestor, mas coloca-se o desafio de uma missão que se quer abrangente, ou seja, que tem de atrair todos os departamentos e grupos dentro da empresa.
Se vai escolher um responsável para liderar a centralização do negócio no cliente (como um CCO – Chief Customer Officer), tenha o cuidado de não o associar a um departamento específico, já que corre o risco de a missão ser percebida como pertencendo apenas a um grupo de pessoas. Se o objetivo é envolver toda a gente, crie um líder autónomo, visto como um gestor específico para aquele tema e não como um gestor de outro projeto que, nos tempos livres, assume também aquele desafio. Faça por manter clara a mensagem de que o “cliente-centrismo” é uma cultura abrangente, de toda a empresa, e gerida por um departamento especial e específico.
Negócio centrado no cliente: como começar?
Implementar a cultura “cliente-centrista” numa empresa, previno já, está longe de ser fácil e é um projeto que se quer abordado a longo prazo. Não conte com transformações visíveis no imediato, mas aposte em avaliações periódicas e notará a evolução, até porque, certamente não será novidade para si, o cliente gosta de se sentir especial e considerado como um todo, ou seja, como um ser completo, com necessidades, desejos e objetivos, e não como um número ou como uma lead.
Já agora, tire o máximo proveito de todas as tecnologias disponíveis. Recolha e analise informação, conheça os seus clientes e acompanhe-os sem falhas ao longo de todo o percurso – tudo se torna mais fácil com a ajuda da automação.